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A robustez da democracia na era digital

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in Observador em 31/03/25

Vivemos tempos desafiantes. A revolução digital está a transformar profundamente a forma como trabalhamos, como nos relacionamos com os outros e com o mundo, alterando hábitos e padrões de consumo, alterando o modo como nos informamos e modificando a forma como fazemos política e debatemos ideias. A era digital traz consigo desafios e oportunidades cujos reais impactos são, por vezes, difíceis de avaliar.

Com o objetivo de criar um ambiente seguro e responsável no espaço digital para os utilizadores e para as empresas digitais, a União Europeia (UE) adotou um pacote legislativo sobre os serviços digitais, o qual visa proteger os direitos fundamentais no espaço digital, para consumidores, cidadãos e empresas europeias.

No âmbito deste pacote legislativo, a UE adotou o Regulamento de Serviços Digitais (“Digital Services Act” – DSA), em vigor desde novembro de 2022. Este regulamento impõe obrigações rigorosas às plataformas digitais, exigindo medidas eficazes contra a disseminação de conteúdos ilegais e prejudiciais, incluindo bens, serviços e informações, visando proteger os consumidores e os cidadãos.

O DSA promove a inovação, o crescimento e a competitividade, bem como estimula a concorrência. Ao colocar os cidadãos e os seus direitos fundamentais no centro das preocupações, de acordo com os valores europeus, os papéis dos utilizadores, das plataformas e das autoridades públicas são reequilibrados de acordo com os valores europeus.

Por outro lado, as redes sociais tornaram-se fontes relevantes de acesso à informação para muitos dos cidadãos, especialmente entre os jovens. De acordo com o Eurobarómetro FL013EP (2024), 42% dos jovens europeus informam-se através destas plataformas, uma tendência crescente na UE. Em Portugal, a televisão continua a ser predominante, mas as redes sociais (40%) desempenham, igualmente, um papel importante. Embora a acessibilidade à informação constitua uma vantagem indiscutível, acarreta desafios consideráveis, como a disseminação de desinformação ou a propagação de conteúdos fraudulentos ou enganadores, prejudicando a qualidade do debate público e podendo comprometer o funcionamento da democracia e das Instituições democráticas. Infelizmente, o maior acesso à informação não se traduz, necessariamente, em mais conhecimento e em cidadãos melhor informados.

Atendendo ao período em que nos encontramos, a desinformação pode ter um impacto particularmente grave em períodos eleitorais, ao influenciar perceções e decisões políticas, pelo que se torna, cada vez mais, necessário combater e contrabalançar este fenómeno.

Através do DSA, as plataformas são obrigadas a evitar a propagação de conteúdos ilegais, incluindo bens, serviços e informações, e a proteger os dados dos utilizadores. As medidas incluem a transparência nos processos de moderação de conteúdos, a obrigatoriedade de oferecer meios para contestação de decisões de remoção de conteúdos, bem como a necessidade de promover maior transparência sobre os algoritmos usados para recomendar conteúdos aos utilizadores. No âmbito dessas obrigações, a verificação de factos (fact check), realizada por jornalistas, académicos e entidades da sociedade civil, é essencial para combater a desinformação, expondo conteúdos ou narrativas falsos que distorcem ou visam manipular a opinião pública.

No entanto, a verificação de factos, por mais rigorosa que seja, não impede, por si só, a difusão de informações imprecisas, sobretudo em contextos de forte polarização, onde as crenças enraizadas podem prevalecer sobre as evidências e os factos. Por isso, a moderação de conteúdos é uma ferramenta complementar à verificação de factos, que é essencial no combate à desinformação, removendo ou restringindo a distribuição de informações erradas, de publicidade enganosa ou duvidosa, bem como de serviços fraudulentos, que são difundidos, podendo induzir o público em erro e, em alguns casos, amplificar discursos de ódio e assédio.

A UE tem feito um esforço contínuo para garantir a eficácia do DSA. A Comissão Europeia (CE) tem a capacidade de aplicar sanções a plataformas que não cumpram com as suas obrigações, incluindo multas de até 6% do volume de negócios anual. Este tipo de fiscalização é necessário para garantir que as regras são cumpridas e que as plataformas digitais são responsabilizadas pelos conteúdos que disseminam. Através deste regulamento, a UE estabelece um equilíbrio entre a liberdade de expressão e a necessidade de proteção dos cidadãos e dos consumidores contra informações ou serviços prejudiciais, enganosos ou fraudulentos.

Apesar disso, o DSA não oferece uma solução absoluta para este problema. A regulação do espaço digital, tanto das redes sociais como das plataformas, pode ser desafiante, dado o ritmo de inovação tecnológica, o caráter transnacional da Internet e a facilidade para a replicação de conteúdos. A necessidade de adaptar a legislação às novas realidades e desafios é constante. Por exemplo, a verificação de factos pode ser melhorada com o uso de inteligência artificial, mas os algoritmos ainda enfrentam limitações em termos de precisão e imparcialidade, o que exige uma vigilância contínua.

Além disso, a interação com outras potências globais, como os Estados Unidos da América (EUA), tem gerado tensões. Em fevereiro de 2025, a administração de Donald Trump emitiu o memorando “America First Investment Policy Memorandum“, no qual expressou preocupações quanto ao DSA e ameaçou impor tarifas recíprocas sobre produtos da UE, caso o dispositivo normativo da UE forçasse as plataformas digitais ou as empresas norte-americanas a modificar suas práticas de moderação de conteúdo, o que, segundo os EUA, poderia comprometer os princípios da liberdade de expressão. De facto, embora este seja um regulamento da UE, afeta empresas de tecnologia americanas, como exemplo a Meta, a Google o X, a Amazon, de entre outras, por operarem no mercado interno da UE.

Em resposta, a CE esclareceu que as novas regulamentações se aplicam a todas as empresas digitais que operam no mercado interno da UE, incluindo as americanas, reafirmando o compromisso com a sua implementação e a indisponibilidade para negociações ou para rever ou revogar a legislação. Este posicionamento reflete a necessidade de garantir um ambiente digital seguro e justo para os cidadãos, consumidores e empresas da UE, mas sublinha, igualmente, a importância de um diálogo construtivo com parceiros globais. O equilíbrio entre os interesses económicos e a regulação num ambiente digitalizado é desafiante e, apesar das tensões, a UE deve manter a sua missão de proteger o Mercado Único, a liberdade de expressão e assegurar a responsabilidade das plataformas, de forma a preservar a robustez da democracia na era digital.

A UE deve, assim, continuar a fortalecer o DSA, adaptando-o às rápidas transformações tecnológicas e aos novos desafios que vão surgindo. A regulação das plataformas digitais não é um obstáculo à liberdade de expressão, mas sim uma ferramenta indispensável para proteger os cidadãos de conteúdos prejudiciais que possam minar a democracia. No entanto, para que esta regulação seja eficaz e justa, é essencial manter o diálogo com as várias partes e fomentar uma cooperação sólida com os nossos parceiros globais. Só com uma abordagem equilibrada, bem monitorizada e colaborativa será possível enfrentar o fenómeno da desinformação e assegurar que as democracias ocidentais, de ambos os lados do Atlântico, se mantêm fortes e resilientes.

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