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 Acordo histórico UE-Mercosul: maior zona de comércio livre do mundo  

In “Observador”, 07 de dezembro 2024

O dia 6 de dezembro de 2024 marca um momento histórico para a Europa e para a América Latina. A assinatura do acordo UE-Mercosul não é apenas o fim de mais de 20 anos de negociações, mas o relançar de uma relação histórica, que vai muito além do comércio. O acordo assinado é um instrumento de visão, audácia e estratégia. Simboliza a capacidade de dois blocos globais, histórica e culturalmente ligados, de se unirem para moldar o futuro, num momento em que o mundo enfrenta desafios económicos, ambientais e geopolíticos sem precedentes.

Nos últimos anos, Pequim afirmou-se como parceiro comercial do Brasil, investindo em áreas-chave como infraestruturas e energia. O Brasil não é apenas uma potência regional sul-americana. É o quinto maior país do mundo, a sua 12.ª maior economia e um dos maiores exportadores de matérias-primas críticas, como o lítio e a grafite, indispensáveis para as transições verde e digital​. É inegável a ambição estratégica da China em afirmar a sua presença nas principais regiões globais. Este acordo é uma resposta clara e determinada da União Europeia (UE) a essa ambição. Afirma a posição da Europa como um parceiro confiável e indispensável para o Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Ignorar esta relação seria abrir a porta para que outros atores, como a China, Rússia, Índia e Estados Unidos, dominem mercados cruciais e definam as regras do jogo.

É fundamental destacar que este acordo transcende os interesses europeus, promovendo benefícios mútuos e uma verdadeira parceria estratégica. Para os países do Mercosul, significa maior acesso ao mercado europeu, melhores condições para exportar os seus produtos e um reforço das suas economias locais. Para a Europa, é a porta de entrada num mercado de 273 milhões de pessoas, com um PIB combinado de mais de 2 triliões de euros​. As empresas europeias pouparão 4 mil milhões de euros por ano, em tarifas alfandegárias, um impulso crucial num momento em que a competitividade global é mais desafiante do que nunca​. Entre estas empresas beneficiárias, estão as mais de 30 mil pequenas e médias empresas que hoje já fazem negócios com países do Mercosul.

Portugal encontra-se numa posição geoestratégica única para potenciar esta parceria, não apenas pelo seu papel histórico e cultural nas relações com o Brasil, mas também pela sua rede de portos e pelo acesso privilegiado às principais rotas marítimas globais. Como elo natural entre a Europa e o Atlântico Sul, Portugal pode assumir-se como um hub logístico e comercial, facilitando o fluxo de bens e serviços entre os dois blocos. Este posicionamento reforça a relevância de Portugal na definição de um espaço económico mais integrado e resiliente, ao mesmo tempo que projeta a sua importância estratégica no contexto europeu. ​Prova disso, é a aprovação do projeto de interesse estratégico europeu que liga o porto de Sines e o Porto de Pecém, Brasil, para a criação de um “corredor verde e digital” entre o Brasil e toda a UE.

A oposição de alguns Estados-Membros, como a França, que teme o impacto nas suas indústrias agrícolas, é compreensível, mas equivale a fixar-se na árvore em vez de se olhar para a floresta. O acordo inclui salvaguardas robustas para proteger setores sensíveis, como a agricultura, ao mesmo tempo que estabelece padrões rigorosos de sustentabilidade e segurança alimentar. A inclusão do Acordo Climático de Paris, como parte essencial do tratado garante um compromisso sólido com a preservação ambiental, combatendo a desflorestação e promovendo práticas sustentáveis.

No entanto, mais do que os números e as cláusulas incluídas, este acordo é um gesto político de enorme significado. Após a indefinição dos últimos anos, este acordo é o maior ato de preservação do multilateralismo e da ordem mundial que a UE podia ter feito. Num tempo em que muitos escolhem o isolacionismo e o protecionismo, a Europa e o Mercosul mostram que juntos podem construir um futuro baseado em valores partilhados e objetivos comuns.  Este acordo demonstra como o comércio pode impulsionar o crescimento económico, salvaguardar o ambiente e consolidar os direitos humanos, tornando-se numa verdadeira força transformadora.

O acordo UE-Mercosul é mais do que uma oportunidade — é uma obrigação histórica. É o momento de reafirmar a liderança europeia no mundo, de fortalecer os laços com parceiros que compartilham os nossos valores e de garantir que o futuro da América Latina não será moldado apenas por atores externos motivados apenas por interesses comerciais. Mais de vinte anos de negociação podem parecer muito, mas quando há vontade política, constrói-se algo que perdura para as próximas gerações. Este é um triunfo da diplomacia, da visão estratégica e do compromisso com um futuro mais justo, próspero e sustentável. E, acima de tudo, é uma vitória para Portugal, para a Europa para os países do Mercosul e para o mundo.

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