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O que é preciso para que a UE se defenda a si própria?

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in Observador em 27/02/25

A Organização do Tratado Atlântico Norte (OTAN), tal como a conhecemos desde a sua criação em 1949, deixou definitivamente de existir? Na minha opinião, a OTAN continua a ser o que era, e espero que se mantenha por muitos anos, mas o comportamento do governo norte-americano de paternidade pagadora da segurança europeia terminou. Ou seja, a prioridade estratégica dos Estados Unidos da América (EUA), o principal Estado-Membro da OTAN, deixou de estar centrada na Europa e no Oceano Atlântico e passou para outras latitudes.

O “chapéu” de segurança da OTAN, quase gratuito, baseado, principalmente, nas capacidades, na industria, na investigação e nos interesses estratégicos americanos, a que a Europa ocidental se habituou, acabou, definitivamente, a 20 de janeiro de 2025, data em que Donald Trump tomou posse como Presidente dos EUA. Quem o disse, já por várias vezes, foi o próprio Donald Trump e J.D. Vance, Vice-Presidente dos EUA, confirmou-o, recentemente, em Munique. Recordo que, agora, é a “sério”, mas desde Barak Obama que os presidentes americanos pedem aos parceiros europeus da OTAN que assumam as suas responsabilidades. Está tudo certo, na minha opinião, pois não têm de ser os impostos dos contribuintes americanos a pagar a segurança e a defender os europeus. Demoramos algum tempo a perceber, mas, mais explícitos, os americanos não poderiam ter sido.

“Delegamos”, durante décadas, nos americanos a nossa segurança e defesa e não fizemos o nosso trabalho de casa, considerando que seria para todo o sempre. Mas acabou! Temos alguma dificuldade em lidar com a realidade, principalmente quando esta não nos agrada, como é o caso, mas tem mesmo de ser. Temos de ser nós a cuidar e a investir na nossa segurança e defesa, se queremos continuar a ter um dos melhores locais do mundo para viver – o território dos 27 países da UE.

 

Tenho visto “muito boa gente”, certamente perturbada com a situação, a esgrimir argumentos que não podemos investir muitos euros na segurança e na defesa porque precisamos de construir escolas, habitação, equipamentos sociais, etc., etc., etc.. Ainda nem todos percebemos, na União Europeia (UE), que não existe Estado Social, nem Modelo Social Europeu, sem segurança e defesa asseguradas. Perguntem aos ucranianos e a quem vive na Faixa de Gaza se a sua preocupação são as questões sociais. Certamente que pensam na comida e na água para sobreviverem e, depois, na sua segurança e defesa e das suas famílias. Revisitem Maslow, e a sua pirâmide das necessidades humanas, e têm a resposta, onde devemos priorizar.

Dito isto, é certo que esta alteração da estratégia americana, com reflexos evidentes na redução da presença de tropas e equipamentos da OTAN na europa, especialmente os disponibilizados pelos americanos, acontece e coincide com a guerra às portas das nossas fronteiras, na Ucrânia, e com a UE instável, do ponto de vista político, enfraquecida, do ponto de vista económico, burocratizada, do ponto de vista administrativo, e bloqueada, do ponto de vista decisório. A tempestade quase perfeita, que, certamente, interessa a interesses outros.

A guerra da Ucrânia, face às ultimas decisões de Donald Trump, terá, certamente, desenvolvimentos inesperados, mas que, como se antecipa, não serão, de todo, aqueles que a UE sempre desejou e pelos quais tem lutado: uma Ucrânia livre e soberana, com respeito pelas suas fronteiras, que foram reconhecidas no Memorando de Budapeste, de 5 de dezembro de 1994, e com penalização do invasor.

A instabilidade política deriva, essencialmente, da fraqueza das lideranças europeias, face à fragmentação política das maiorias que as suportam. Lideranças que, para aprovarem qualquer decisão política, tem de “tentar agradar a gregos e a troianos” e, com isso, as decisões que saem são, muitas vezes, fracas e de curto prazo. Além disto, existem claras divergências internas nos 27 Estados-Membros, fomentadas por países terceiros, que também minam a governança da União, desde as pequenas decisões até às maiores e mais edificantes. O modelo organizacional da UE não foi concebido para esta fragmentação política e por isso não responde às necessidades atuais. Para muitos, convém enfraquecer a União Europeia até à sua dissolução.

O enfraquecimento económico está associado à elevada dose de “autismo político” que tem assolado a UE. Somos líderes e pioneiros em muitas agendas (achamos nós!), dando como exemplo a agenda verde, mas olhamos para trás e não vemos o segundo da fila. O resto do mundo está noutro campeonato e nós a “correr em pista própria”. Com todo este pioneirismo, os custos de contexto sufocam as nossas empresas que, por conseguinte, não conseguem competir no mercado global.  Por isso, a economia europeia, quando comparada com os seus principais rivais, China e EUA, perde, diariamente, competitividade.

Simultaneamente, a teia jurídica e burocrática em que nos envolvemos, criada por nós próprios, pela própria UE, é, atualmente, a “cereja em cima do bolo”. Parece que quanto mais complicado melhor. Mesmo que os Estados-Membros queiram simplificar, o que vem da UE já é tão pesado, que não conseguem. Mas bastantes Estados-Membros estão, igualmente, muitíssimo manietados, pela sua própria legislação. No que diz respeito ao excesso de burocracia, direi que o mal é geral.

Face à situação global, onde a Rússia se alarga territorialmente – desde a Crimeia a todos os novos Oblasts ocupados à Ucrânia – pelos métodos que desaprovamos; o Presidente dos EUA que anuncia alargamentos e possessões – a Gronelândia, o Canal do Panamá e a Faixa de Gaza – por métodos cujo enquadramento não entendemos; a China que, de forma silenciosa, conquista economicamente todo o planeta; pelo contrário, a UE, nos últimos anos, perdeu parceiros de vulto, como o Reino Unido (RU), e adiou, sistematicamente, novos alargamentos. Estamos em contraciclo com o resto do Mundo, por falta de decisão.

Feito o diagnóstico, e porque só quero cingir-me à temática da segurança e defesa, partilho a minha reflexão sobre algumas medidas de curto/ médio prazo que devemos tomar, quer ao nível da UE, quer dos Estados-Membros, para que nos possamos defender sem dependermos de terceiros:

 

  1. A UE e os seus Estados-Membros devem assumir a segurança e defesa do seu território como uma prioridade vital;
  2. Os orçamentos da UE e dos Estados-Membros devem ser revisitados de imediato, de forma a que possam responder a necessidades de investimento, nunca inferiores a 3,5% do PIB ao ano, num horizonte de pelo menos 10 anos, o que corresponde a um adicional de 250 mil milhões por ano;
  3. A OTAN e a UE devem atualizar as ameaças, origens e tipologias, e com isso redefinir as capacidades militares que devem residir em território da UE;
  4. De acordo com estudos recentes (Guntram Wolff; Kiel Institute), para defender o território da UE, podemos contar com a necessidade de mais 300.000 novos soldados e de mais 1.400 novos carros de combate;
  5. Os Estados-Membros, em articulação com a UE, devem promover clusters de defesa, especializados em função das necessidades levantadas;
  6. A UE deve reforçar o investimento em investigação tecnológica, pesquisa e desenvolvimento na área da Segurança e Defesa, promovendo a inovação bem como a sua aplicação e comercialização, conduzindo a avanços em tecnologia militar ou de duplo-uso, que conduzirão, igualmente, a desenvolvimentos tecnológicos de usos civis.
  7. Os Estados-Membros, em articulação com a UE e com a OTAN, devem assumir, cada um e em conjunto, a aquisição supletiva de material para satisfazer as necessidades levantadas;
  8. Os Estados-Membros, em conjunto, devem repensar o modelo de recrutamento, pois, sem meios humanos o equipamento não funciona. Os sistemas são cada vez mais tecnológicos e, por conseguinte, formação especializada e retenção de quadros são dois tópicos que, associados à valorização das carreiras profissionais militares, não podem ser descurados.
  9. A articulação e a troca de informação entre a UE, com a sua Agencia Europeia de Defesa (AED), e a OTAN, com as suas diferentes agencias, tem de ser uma realidade inquestionável;
  10. A AED, em articulação com os Ministérios da Defesa dos Estados-Membros, deve funcionar como centro partilhado de compras conjuntas de material de defesa, de modo a reduzir custos de aquisição, tempo de procedimentos e melhorar o controlo orçamental.

Além destas medidas, a UE deve:

 

  1. Trilhar, urgentemente, o caminho do alargamento. Não será uma questão de dinheiro, mas sim de ambição e de decisão. Não podemos demorar décadas até se aceitarem países no nosso seio. Temos de fazer alargamentos graduais, faseados, inovadores, e a curto prazo para não desapontar os cidadãos desses países, nem dar azo a que terceiros minem o processo. Países como a Ucrânia, a Moldávia, a Geórgia, mas também os Balcãs (Bósnia e Herzegovina, Montenegro, Kosovo, Sérvia, Albânia e Macedónia do Norte) têm de ser admitidos no seio da família da UE. São europeus! Quanto à Turquia, devíamos estabelecer, com este grande país aliado, um acordo especial de cooperação e aprofundar as relações, assumindo que, devido a muitos fatores, entre eles a geografia, o lugar da Turquia é, maioritariamente, na Ásia, mas, pela vizinhança, queremos uma parceira especial, virtuosa para ambos os lados;
  2. Reduzir a sua carga burocrática de forma significativa e rápida, bem como, avaliar a continuidade e os prazos de algumas agendas políticas que têm marcado as últimas duas décadas que, pelo seu nível de ambição, conjugado com os custos a elas associados, estão a levar as instituições e as empresas à exaustação e ao colapso. Paralelamente, em articulação com os Estados-Membros e com os Tribunais de Contas, a UE deve encontrar um modelo simplificado de contratação pública, que permita adquirir material militar ou de duplo uso, atempadamente e com transparência, reduzindo os atrasos e a litigância judicial, garantindo eficiência, responsabilidade e controlo;
  3. Considerar que os EUA, em termos globais, e o RU, a Noruega e a Islândia, em termos regionais, são os nossos mais fortes aliados e com os quais queremos continuar a cooperar numa base de confiança, de equilíbrio, de proximidade e de verdade. Os presidentes passam, as alianças ficam e o histórico da nossa aliança – OTAN – não pode ser ignorado nem desvalorizado. Ou seja, a nossa estratégia futura não pode, nem deve, ser desligada da OTAN;
  4. Orientar as suas instituições financeiras, em especial o Banco Europeu de Investimento (BEI), para apoiar investimentos na área da Defesa em todos os Estados-Membros, e tem de envolver a banca privada, a qual tem de ultrapassar fantasmas do passado no que diz respeito ao financiamento da segurança e defesa. Além disso, a UE deve, rapidamente, excecionar o investimento em segurança e defesa, dos limites anuais do deficit dos Estados Membros (3%), permitindo a contração de dívida adicional para financiamento desta área. Igualmente, a UE deve preconizar endividar-se (Defence Bonds) de forma a poder ajudar os Estados-Membros, em áreas como mobilidade militar, equipamentos de duplo-uso e equipamentos de uso coletivo, que façam sentido ser propriedade da União.

 

Como membro da Comissão de Segurança e Defesa do Parlamento Europeu, são estes a minha visão e o meu contributo, para ultrapassar o momento único que vivemos.

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